Tuesday, May 10, 2011

Do fundo da gaveta O existe depois do abismo? Queda, morte,

Do fundo da gaveta

O existe depois do abismo?

Queda, morte, você pode dizer. Mas vou além: e antes de chegar ao chão, se espatifar, o que aquele que cai vê, o que ele sente?

Eu sei que você não sabe. Nem eu, porque não estava lá. Não que não estivesse perto. Mas pra saber, só estando em seu lugar, no seu corpo, vendo com seus olhos e atirando seu peso pra baixo, num salto suicida. Único e particular.

Estou falando de amor.

Amor estranho esse. Que fala em abismos, saltos, baques surdos na terra. Mas é amor, sim. Porque a gente aprende em casa, na missa, nas revistas, que o amor é uma coisa suave, delicada, ladeada por anjos e com sinos eternos que badalam, badalam e acompanham para sempre seu idílio amoroso. O que? Você nunca viu os anjos nem ouviu os sinos? Então, devemos estar falando daquele amor que é a calmaria que vem depois do arrebatamento da paixão, um elo, um laço justo e permanente, que mantém duas almas unidas vida afora, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... o que foi agora? Também não é esse o amor que você conhece? Está ficando mais difícil, mas ainda resta o amor fraternal, dos dedinhos entrelaçados, dos olhares cúmplices e bochechas ruborizadas.

Não importa se eu não consegui descrever o amor que você sente. Na verdade eu estava exagerando e copiando aqui o que a gente ouve a vida toda, como descrições do que deve ser o amor.

E o que acontece se o que você sente de verdade não cabe em nada daquilo que foi dito antes? Se for tudo diferente, com sensações e emoções tão distintas, tão controversas que às vezes você tem até medo de pensar a respeito delas que, de tão suas, você não entende.

E apesar de não entender, fica conectado a elas. E as coisas certas parecem ridículas e as erradas parecem tão certas e conseqüência é uma palavra que você já ouviu um dia, mas faz tanto tempo, que nem se lembra mais do seu significado.

Chegamos ao abismo, então. Mas você ainda não percebeu. Além de não ter placas, esse tipo de amor venda os olhos. Desnecessário, nesse momento ninguém os abriria. Você sabe muito bem que é nos lugares mais altos que o vento sopra mais intensamente. Sabe também da vontade que a gente sente de abrir os braços e ficar de frente pra ele em momentos assim.

Você recapitula e vê que é isso mesmo. Pegou o caminho largo, manteve a esquerda, beijou os leões, andou de costas, correu na neblina e está ali. Fez tudo que antes achava que não devia e está ali. Deveria estar envergonhado, culpado, encolhido. Mas, olhe só pra você! Nunca esteve tão feliz. Tão vivo.

E agora o abismo. Pode parecer loucura, mas não tem uma mão te fazendo um sinal do outro lado? Uma voz te incitando a pular? Pode ser perigoso. Sim, pode ser muito perigoso. Você vai cair, pode morrer, quem é que sabe o que pode acontecer?

Pula.

E se torna mais um amante estatelado no chão. Morre de uma morte diferente, que permite que sua vítima continue vagando pelo mundo. Marcada pra sempre, pelo amor que conheceu.


Texto ancestral, do tempo em que Helen nem era Stein.


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