Friday, October 7, 2011

Eu poderia estar matando, poderia estar roubando Um dos

Eu poderia estar matando, poderia estar roubando


Um dos privilégios de trabalhar em casa é poder deixar a tv ligada.
Um dos pesadelos de trabalhar em casa é quando alguém, que não você, deixa a tv ligada.
Um programa de tv discorria exaustivamente sobre o leite derramado. A menina, o homicida, a amiga, a polícia. Até que uma matéria me chamou a atenção - dos ouvidos: Você conhece Santo André? Vamos saber como era esse ambiente em que esses jovens moravam e que a tragédia aconteceu...

Péra. Agora você me pegou, programa banal. Eu também quero ouvir o que vocês "descobriram" sobre O Ambiente Santo André.

Amontoado de clichês: região do ABC; canteiro industrial; periferia; carência social, whiskas sachê.

Da minha parte, também tenho umas coisas a dizer. Eu não nasci em Santo André, mas na vizinha São Paulo. Porém, foi em Santo André que eu frequentei a escola, do Fundamental até o Ensino Médio. Era lá que eu ia ao ballet e à ginástica. Ia ao cinema. Ia ao Mappin e ao Jumbo Eletro. Foi lá que fui ao meu primeiro baile, escondida de papai. Também foi lá que desfilei pela primeira e única vez no carnaval (vestida de grega, já contei aqui).

Eu frequentei Santo André, eu cresci em Santo André.
Dei meu primeiro beijo em Santo André.
Dei oúltimo beijo em mamãe em Santo André.

E no entanto, cá estou, trabalhando nesse mesmo micro de onde posto agora, no interior paulista; há quase vinte anos. Com casa, cachorros, gato. Contas pra pagar. Igual a qualquer outra pessoa que optou por sobreviver pelo modo tradicional: ralando.
Ganhando, perdendo. Normal.

Mas, não. Segundo a teoria determinista da equipe de tv, eu poderia estar matando. Eu poderia estar roubando, porque o destino assim quis. Porque me fez nascer numa família pobre e sem perspectivas. Na periferia, na margem da sociedade. Carente de tudo, inclusive de limites e de senso de responsabilidade.

Eu poderia estar culpando Deus e o Mundo, por tudo que me aconteceu. E pelo que não me aconteceu. Poderia "entrar numa crise emocional" e partir para a justiça a base de pólvora.
Eu poderia porque a sociedade em que fui inserida assim determinou.

Mas no lugar disso, eu só fico aqui. Abismada com o sensacionalismo simplista, que na falta do que dizer, apela para a psicologia de padaria.



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